A Lei Áurea, documento que baniu de forma imediata e incondicional a escravidão no território brasileiro, foi assinada pela Princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança Bourbon e Orleans, em 13 de maio de 1888, depois de seis dias decisivos de debates e votações na Assembleia Geral. O projeto de lei que propôs a abolição da escravatura tramitou com notável celeridade1 : o Governo Imperial o enviou ao Parlamento numa terça-feira, os deputados o aprovaram na quinta e os senadores, no domingo.
Nesse mesmo dia, no início da tarde, a Princesa Regente recebeu de uma comissão de senadores o autógrafo do projeto, para sanção. O texto original da Lei Áurea é um belíssimo trabalho do calígrafo Leopoldo Heck, que transformou o documento em peça de arte, guardada hoje nos Arquivos do Senado Federal. O Senador Sousa Dantas, que estava à frente da comissão, ao entregar o documento a Dona Isabel, felicitou-a “por caber-lhe a glória de assinar a lei que apaga dos nossos códigos a nefanda mácula da escravidão, como já lhe coube a de confirmar o decreto que não permitiu nascerem mais cativos no Império [a Lei do Ventre Livre]”.
No momento em que a cerimônia de assinatura da Lei Áurea acontecia, cerca de cinco mil pessoas se aglomeravam em frente ao Paço, na Praça Dom Pedro II. Conta-se que a multidão irrompeu em ruidosa manifestação quando o deputado Joaquim Nabuco, de uma sacada do edifício, comunicou ao povo que não havia mais escravos no Brasil. Chamada pelos cidadãos que se concentravam diante do palácio, Dona Isabel surgiu numa janela e foi aclamada pelos manifestantes.
A sanção da Lei Áurea desencadeou uma série de festejos e passeatas pelas ruas do Rio de Janeiro, com bandas de música, espocar de foguetes e a incontida alegria da população, que tomou as ruas da cidade. Sobre esse dia, Machado de Assis escreveu, anos depois, na coluna “A Semana”, do jornal carioca Gazeta de Notícias: “Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembro ter visto”.
A celeridade da tramitação do projeto que originou a Lei Áurea, associada ao imenso apoio manifestado pelos populares, pode sugerir, equivocadamente, que o fim da escravidão foi simples e consensual. Na verdade, o acordo político entre a Coroa e o Legislativo que permitiu a instituição da Lei daquela forma e naquele momento foi obtido com intenso esforço, num processo secular de mobilizações sociais, morais, políticas, econômicas e religiosas. O movimento abolicionista, que fomentou tal processo, é considerado o maior movimento social do século XIX.
Dele participaram, além de milhares de negros e brancos anônimos, grandes personalidades – republicanas e monarquistas – como Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, Ruy Barbosa, Luís Gama, Castro Alves, Tobias Barreto e, com especial destaque, a herdeira do trono, futura Imperatriz, D. Isabel de Bragança. A Princesa Isabel, que esteve encarregada da regência do Império em três ocasiões – 1871-72; 1875-76 e 1887-88 – teve educação apurada, de formação católica. Estudava por mais de nove horas e meia por dia e durante seis dias por semana; constando em seu currículo as disciplinas de literaturas portuguesa e francesa, astronomia, química, a história de Portugal, Inglaterra e França, desenho, dança, piano, economia política, geografia, geologia e a história da filosofia, além de ser fluente em francês, alemão e inglês.
Presença feminina aguerrida, ativa, defensora da extinção do trabalho escravo e da indenização dos cativos após a libertação, D. Isabel representou papel fundamental no movimento pela abolição que culminou com a assinatura da Lei Áurea, em 1888. É preciso reconhecer, no entanto, que, embora a extinção legal da escravidão no País tenha constituído imenso avanço que concedeu aos negros brasileiros a cidadania jurídica, ela não pôde lhes conferir os benefícios sociais pretendidos pela Princesa Isabel , tampouco as necessárias condições de equidade em nossa sociedade. Em carta dirigida ao Visconde de Santa Victória, datada de 11 de agosto de 1889, a Princesa Isabel escreve: “Com os fundos doados pelo Senhor teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos”.
Como afirmou Joaquim Nabuco, “não basta acabar com a escravidão, é preciso destruir sua obra”. Reconhecer a importância de sua sábia participação no processo de extinção da escravidão no Brasil é medida necessária para que esse fato histórico seja assinalado com a devida reverência.
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