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A década que chega


Tal como nas Falésias de Mármore, de Ernst Jünger, a invasão chegou sem que ninguém a previsse. Primeiro, foram rumores distantes, névoas incertas, sussurros e avisos imprecisos que insinuavam que a noite se aproximava.


De súbito, o flagelo caiu-nos em cima, mas sendo o perigo invisível, a quase todos constrangeu à obediência crédula e submissa. A maioria aceitou a ordem de comando e barricou-se, precisamente no instante em que os outros, os bárbaros federados, desvelaram-se e anunciaram o corte com o passado.


Não foi tudo isto a partir de Março? As manifestações, o derrube de estátuas, o nosso Padre Vieira humilhado, os saques, aquelas marchas de novos flagelados exigindo a purificação do mundo e o anúncio de um tempo novo?

A violência psicológica produziu efeito imediato, pelo que trancados, também aceitámos que tudo se justificasse em nome da ameaça invisível: a censura, as prisões, o "novo normal", o recolher obrigatório, a governação por decreto, novas formas de eleições, o desfazer dos laços sociais, o desemprego e até a morte da economia em nome da salvação; tudo em nome da ciência e da cura que, afinal, era uma ilusão.


Agora, o "novo normal" anuncia que a praga ficará por mais dez anos, precisamente o tempo suficiente para que a memória se confunda, tropece, hesite e se desfaça, convencendo qualquer um de que o passado da "normalidade" nunca terá existido.

No século passado, algo de muito parecido aconteceu por volta de 1929, no torvelinho que se seguiu ao crash da Quinta-Feira Negra. Nestas crises, desaparecem quaisquer manifestações de resistência legal, o valor das eleições eclipsa-se e os governantes desnudam-se de sorrisos e disfarces. Não é o que temos hoje, apenas um ano após a morte da "normalidade"? Imagine-se o que será se a tal década da "grande mudança" vingar.

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