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Ciência e a busca da verdade


1) Se Platão foi o fundador da Ciência, ao criar o conceito de Episteme para distingui-lo da Doxa, foi com Aristóteles que ela tomou corpo, forma e maturidade. E uma das primeiras regras formuladas pelo Filósofo foi a necessidade do pretendente a cientista de se inteirar sobre a atual discussão sobre o assunto — o Status Quaestionis. Mas esta regra não serve apenas para a investigação científica e sim para todo espírito livre que busca a verdade. Não podendo ignorar o legado de trabalhos, então toda busca pela verdade é iniciada com uma exigência de ordem histórica.


2) Para terror de muitos cientistas diplomados pelo MEC, a consulta à literatura vigente não é algo assim tão trivial e muito menos passa de pura formalidade. Pelo contrário, mesmo para textos estritamente técnicos e obsessivamente secos e literais, ainda há uma certa exigência de habilidade de interpretação e compreensão textual. Ao se somar esta peculiaridade com as muitas outras subjetividades que vão surgindo ao longo da investigação, já haverá bastante material para colocar em xeque a tal da Objetividade Científica.


3) Uma crença difundida desde a escola primária, concebeu a imagem do cientista como um ser acima das paixões e picuinhas mundanas e voltado exclusivamente para o saber e para a verdade objetiva. Se a imagem individual do acadêmico é esta, é inescapável que uma comunidade formada por estas pessoas goze de uma autoridade que beira o sacerdócio.


4) Por mais que se diga que a ciência moderna não comporta traço religioso algum, o que explica a reação diante da expressão "aval da comunidade acadêmica e científica"? A força retórica desta expressão não se refere ao seu sentido técnico de revisão ou ratificação de um trabalho de um acadêmico por seus pares, e sim pelo tratamento especial dado ao endossamento sobre algo que uma certa coletividade tem sobre as demais. Convenhamos que tudo isto é bastante paradoxal diante da crença, também muito difundida, da aversão dos cientistas "sérios" a tudo o que cheira religioso.


5) Unanimidade ou pacificidade de pontos de vista entre os cientistas é algo raro e a história está aí para ser consultada. O que o tempo mostra é bem longe disto: é o entrechoques de perspectivas contrárias que caracteriza a ciência. Dialética é o outro nome da ciência. Eis outro paradoxo.


6) O que torna algo científico ou não científico não é a sua conformidade com o status quo ou uma postura negacionista e sim o procedimento tomado para se chegar a algo. Empiria é o outro nome da ciência. O conceito de empirismo, tão caro à ciência, não se refere apenas a uma experiência qualquer, mas ao experimento que pode ser reproduzido, e o "reproduzido" é a chave que abre as portas da compreensão para este troço chamado Ciência. Reproduzir significa tanto gerar como também imitar, que é fazer algo da mesma maneira como feito por outra pessoa.


7) Ao ler os artigos da nossa mídia no último ano de 2020, o que fica claro é que algo só pode ser levado a sério se receber o aval da tal comunidade científica. Não vamos entrar no mérito da composição e qualificação dos membros desta comunidade, mas ficar atento a postura que a mídia exige da população diante das afirmações deste grupo. Ao invés de se valer da sua capacidade de raciocinar, perceber e sentir, o indivíduo é levado a aceitar sem senso crítico algum que os decretos de uma coletividade substituam suas faculdades mentais. Esta absurda impostura não é criticada devidamente porque o culto da ciência como a única forma válida de saber já está difundido na mentalidade geral.


8) É uma tarefa inglória argumentar contra algo que é de um consenso implacável, é como tentar deslocar um monólito de cinco toneladas na base de socos. Esquivando-me desta ingrata tarefa, prefiro buscar entender a gestação da simbiose ideológica que levou a este estado de coisas.


9) Quem vê hoje essa exacerbação em torno da ciência não tem ideia de que tudo isto não é novo e não passa de uma distante reverberação. Se formos rastrear as origens de toda mitologia moderna que sustenta essa cultura contemporânea, vamos alcançar os longínquos séculos XV e XVI. Mas, a questão aqui não é rastrear as origens, mas o momento em que se consolidou essa realidade que para nós nos parece eterna. Neste caso, o século XIX foi, para mim, sem sombra de dúvida, o tempo. Para ser mais preciso, ainda vivemos sob a mesma aura cultural novecentista. É um século que dura mais de duzentos anos.

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