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Se ainda existe Constituição


Ontem à noite começou o “toque de recolher” imposto pelo governo do Estado da Paraíba.


A capital estava em silêncio. As luzes na entrada do meu bairro desligaram-se: tudo escuro, exceto avenidas.

Da varanda, observei uns poucos carros que circulavam. Em tese, só poderiam fazer isso para urgências. Andavam cuidadosos, devagar: inseguros.

Numa rua ao lado, um catador de lixo puxava sua carroça: talvez ele não tivesse uma casa para se recolher.

Essa é uma parcela da população invisível: são os que mais sofrem quando a economia fecha. Triste.

Mas eu fiquei curioso sobre o “toque de recolher”.


Fui consultar o Decreto nº 41.053/2021. O art. 1º utiliza esse termo mesmo: “fica determinadA […] toque de recolher” (sim, eles escreveram assim).

Porém, mais grave pode ser o erro constitucional. É que a restrição ao direito de ir e vir é uma medida tão drástica que a Constituição só a permite em estado de sítio (arts. 137 a 139). Consultei a Lei Federal 13.979/2020 (do combate à pandemia) e nela existe uma autorização para restringir locomoção intermunicipal e interestadual. Cabe aqui?

Descobri que o STF respondeu a isso em 2020, num caso referente a “toque de recolher” e pandemia, de um Município do Paraná (Umuarama):


E disse exatamente que isso não é algo que se tira da cartola:

“Nenhuma das normas então arroladas pelo requerente autoriza a imposição de restrições ao direito de ir e vir de quem quer que seja. […] Para impor tal restrição à circulação de pessoas, deveria ele estar respaldado em recomendação técnica e fundamentada da ANVISA, o que não ocorre na espécie” (SLS 1.315/PR, Rel. Min. Dias Toffoli).





Olhei de novo o decreto: não há essa recomendação da ANVISA, pedida pelo STF.

Nem mesmo a nota técnica da Secretaria Estadual de Saúde requer medida tão drástica, como também não recomenda restrição da liberdade de religião e o fechamento de igrejas.

Se as medidas apenas “saíram da cabeça” de alguém, porque era interessante passar a idéia de “endurecimento", bem, não é assim que se restringem direitos fundamentais — só porque alguém quis.

Legislativo, Ministério Público e Judiciário deveriam avaliar isso, se ainda existe Constituição.

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