O inquérito 4.781, também conhecido como “inquérito das fake news” ou “inquérito do fim do mundo”, foi instaurado inconstitucionalmente pelo STF.
Inconstitucionalmente porque, dentre (muitas) outras razões, a Constituição Federal não dá ao poder Judiciário atribuição para instaurar nem conduzir inquéritos.
O Judiciário pode, quando muito, AUTORIZAR investigações solicitadas pela polícia ou pelo Ministério Público, mas não pode jamais tomar a INICIATIVA de instaurar o inquérito (que nada mais é senão um procedimento investigatório que costuma anteceder um processo criminal).
A ilegalidade, portanto, diz respeito à FORMA do inquérito. Em termos de conteúdo, até onde se pode saber (a transparência é quase nenhuma), uma ou outra das inúmeras condutas investigadas poderiam em tese caracterizar ilícito penal.
Já no inquérito dos “atos antidemocráticos”, hoje arquivado, o problema era o oposto: formalmente o inquérito era legal, pois teve a INICIATIVA do MP (Procuradoria-Geral da República), que PEDIU sua instauração ao Judiciário (STF). A ilegalidade estava no objeto da investigação: inquérito só pode ser instaurado para investigar CRIME, e não existe o crime de “manifestação antidemocrática”; tanto assim que, desde a redemocratização, partidos de esquerda fazem há décadas manifestações de rua pedindo “revolução comunista”, “ditadura do proletariado” e outras maravilhas, sem jamais terem sido alvo de inquérito.
Exatamente porque não existiu crime algum, o Procurador-Geral da República, chefe do MP Federal, não poderia ter feito outra coisa senão o que fez: “pedir” o arquivamento do inquérito. O PEDIR aqui vai entre aspas porque, há décadas, o STF adota o entendimento de que esse “pedido”, quando parte do Procurador-Geral, é mera formalidade, porque nesse caso o juiz ”está obrigado a atender”, conforme prevê o ainda vigente artigo 28 do Código de Processo Penal (o juiz aqui é, obviamente, o ministro Alexandre).
Assim, o ministro Alexandre de Moraes não tinha como deixar de atender ao pedido de arquivamento. Não quero matar de tédio, com detalhes técnicos, quem não é da área jurídica, mas garanto a vocês: eu sei disso, meus alunos e ex-alunos sabem disso, todo bacharel em Direito sabe disso.
E o mais importante: o ministro Moraes, presume-se, também sabe que não poderia deixar de arquivar o inquérito dos “atos antidemocráticos”.
O que ele faz então? Arquiva o inquérito e INSTAURA OUTRO POR INICIATIVA PRÓPRIA (mesma ilegalidade do “inquérito do fim do mundo - v. os dois primeiros parágrafos deste texto), tendo novamente por objeto da investigação os mesmos fatos QUE NÃO CONSTITUEM CRIMES (mesma ilegalidade do inquérito arquivado hoje, v. acima o quarto parágrafo deste texto).
Os fatos, repito, são os mesmos, só que agora “rebatizados”: em vez de “atos antidemocráticos”, agora se trata de “organização antidemocrática”.
Portanto, o novo inquérito reúne “o pior de dois mundos”: temos a ilegalidade formal do primeiro inquérito, o 4.781 (instauração por iniciativa do Judiciário) e TAMBÉM continuamos a ter a ilegalidade do segundo inquérito (hoje arquivado), o dos “atos antidemocráticos”, qual seja: inquérito para “apurar” fato que não constitui crime.
Já ouvi pessoas comentando que esses inquéritos não são para investigar coisa alguma, e sim para pressionar politicamente seus “alvos” (todos, talvez por coincidência, do mesmo espectro político). Nesse sentido, dizem essas pessoas, o ministro, querendo “manter a pressão”, teria “trocado seis por meia dúzia”.
Quanto ao uso ou não do inquérito como instrumento de pressão política, deixo a conclusão por conta do amigo leitor.
Uma coisa é certa, porém, com relação ao inquérito instaurado hoje: objetivamente, em termos de violação do devido processo legal, o ministro trocou seis por UMA DÚZIA.
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